quinta-feira, junho 29, 2006

A PLATEIA QUE ASSISTI

Assistir uma partida de futebol da Seleção Hexacampeã na presença de um grande público é algo um tanto quanto exótico. Em fronte a uma Tv, sem comentário, a platéia é eclética, estranha, são seres de outro mundo. Não entendem absolutamente nada de futebol, apenas torcem pra sair gols, ver gols. Muitos gols. A fauna é diversificada. Gente da primeira, terceira e quarta idade. Tem de tudo, desde um ser vestindo uma camisa de seu time preferido (gambás, tricolor das laranjeiras e pós de arroz são os preferidos) - estes são os gurus da bola, entendem de tudo, resumindo, são uns porra -, até as velhinhas que não sabem nada do que está acontecendo. A vestimenta é o forte. As camisas da pátria verde-amarela são hegemômicas, com uma, duas, três, quatro, cinco, seis e até sete estrelas, acreditem. Bandeiras, bandeirolas, apitos, cornetas e cartolas, tudo está lá. Muito barulho. Gritos, vaias, urros e todo o tipo de som possível. A fauna feminina comandava o barulho. Estas assistem o movimento da bola em uma histeria anormal, fora de controle, inexplicável. Nos comentários a coisa é generalizada. Os comentários são ruins e péssimos, essa é a classificação. Todos são técnicos e comentaristas. Comentam de tudo, da escalação à substituição, do uniforme à comemoração. O cara de preto é um dos mais citados, é inevitável. Ninguém nunca sabe o nome do infeliz, só o chamam de “O juiz”. “O bandeirinha” também é alvo. Os dois bandeirinhas viram uma pessoa só, só existe “O bandeirinha”, não importa o lado, eles são um só ser. O bandeirinha errou novamente, e ponto final. Tudo é pênalti, tudo é falta. Palavrões, putz, são inúmeros, incontáveis, e muitos até inéditos. Mas algumas são de praxe: “Puta que o pariu”, “Porra”, “Filho da Puta” e “Caralho”. Nisso tudo, o “Caralho” domina, não tem pra ninguém, sai a toda hora e a todo lance, durante todo os 90 minutos, é espontâneo, fluente, um som de domínio público. Os 90 minutos são torcidos e contorcidos em cada um de seus segundos. E nos minutos finais do jogo se pula GOL. O grito é único e coletivo, GOL. O grito dura muito, se estende e desabafa. É apenas mais um gol da seleção hexacampeã do mundo, mas é único e eterno, memorável. Depois da histeria, se houve ao fundo um dos gurus da bola “- Quem é esse Fred ?”, silêncio, “- Nunca ouvi falar desse cara !” * . Simplesmente, inacreditável. Todos pasmos. Silêncio. Fim do jogo, todos se levantam e a vida continua. “- Estou com fome, o que tem para comer ?”. Essa é a platéia de assisti

* “Fred” (Frederico Chaves Guedes, jogador do Lyon), um dos reservas da seleção brasileira. Marcou o segundo gol do Brasil na vitória contra a Austrália. Brasil 2 x 0 Austrália.

20 de Junho de 2006

GURUS EM FESTA

Era tudo o que se queria e se sonhava, o Brasil estréia sem dar “baile”, show de bola, placar elástico. A impressa se preparou toda, todos pararam para ver a estréia da seleção do mundo. E a seleção estreou. Nunca se viu tantos flashes. Ainda no primeiro segundo da partida duas coisas já eram fato, a vitória brasileira e o espaço reservado nas primeiras páginas dos jornais do mundo, de um simples folhetim ao Clarim, a primeira página era nossa. Todos queriam uma foto para a página principal, o difícil era escolher qual dos astros e qual das jogadas seria o grande destaque. Difícil escolha, o Brasil tinha 11 e a partida 90 minutos. Apenas uma foto, era isso, apenas uma. A partida começa. O time brasileiro não consegue fazer fluir o futebol arte, joga com dificuldade, falta de entrosamento puro, porque futebol, isso nós temos pra dar e vender. Dar não, vendermos sim, e como vendemos bem, o mercado do futebol nunca esteve tão em alta. Onde se viu, saíram comprando os “tupiniquins donos da bola” antes da Copa, porque após o dia 09 de Julho, os valores seriam astronômicos. O Hexa sairá caro, preparem-se. Foda-se, eu sou brasileiro, sou alviverde, sou da terra do futebol arte, nasci na terra da bola. O Brasil demora a entrar no jogo, mas aos 39 minutos rouba-se uma bola, atravessa-se a intermediária, avança-se pelos homens com camisa de toalha de mesa, por sinal horrível, e entregam a bola a um dos donos da bola, Kaká. Ele não perdoa, chuta da ainda antes da meia lua. De pé esquerdo. Perfeito, a bola foi colocada. Gol. O primeiro gol do Brasil, a agonia brasileira explode, vira felicidade. O Brasil se atrapalha mais um pouco. Acaba o primeiro tempo. Me desloco para assistir o espetáculo em outro lugar. Ruas eternamente vazias, nem os semáforos estavam funcionando, as luzes estavam sobre a seleção hexacampeã. Ando por meia cidade, três carros, foi isso o que vi. Três carros com cidadãos da terceira idade. Como podia ?, na estréia da seleção ?. Só podia ser uma coisa, eles eram comunistas, só assim. Começa o segundo tempo e termina o segundo tempo. Os noventa primeiros minutos brasileiros na copa acabaram. E o que se viu ?. Se viu a imprensa em festa. Eles tinham assunto o suficiente para as primeiras páginas. E claro, era fácil escolher uma imagem. Todos estavam felizes. Nada de dar a manchete: “Confirmado a hegemonia brasileira, seleção bate a fraca seleção de camisas de toalha de mesa”, ia-se fazer o que se mais sabe, ou não se sabe, escrachar o escrete campeão *. E assim foi feito, em todo mundo, sem exceção. Por sinal, na casa do escrete foi o que mais se viu. Onde se viu, aqui é o único lugar do mundo onde não se acredita e apóia a seleção da terra. E mais, a seleção não era o suficiente, tinha-se que pegar o Judas. E claro, foi ele, o Fenômeno. O obeso mais habilidoso do mundo, um dos donos da bola. E não parou por aí, o blá-blá-blá se prolonga por todos os dias e dias. Porra, como demora a segunda partida. E para a tristeza geral do povo tupiniquim, os espânicos enfiam 4 e, o pior dos pesadelos, os hermanos ganham mais uma, de 6. Imprensa em êxtase, a festa é total. Mas a festa dos gurus durarás pouco. A segunda partida está próxima **, Austrália coitada, serás atropelada. Se não for na segunda, paciência teremos ainda mais 5 outras. E no final, seremos os donos da festa, da grande festa.

* O termo escrete foi utilizado por Nelson Rodrigues em suas crônicas futebolísticas em “A pátria em chuteiras” e “As sombras da chuteiras imortais”
** Brasil x Austrália, segunda partida da seleção a ser realizada em 18/06/06

16 de Junho de 2006

O PESSIMISMO DA CAMISA 12

A copa começou a 7 dias e a camisa 12 brasileira é puro pessimismo. Que porra de torcedores que somos. Que porra de brasileiros que somos. Porra, somos PENTACAMPEÕES do Mundo. Espanhóis, Ingleses, Alemães, Italianos, Togoneses, Nipônicos, Portugueses e, até, os nossos vizinhos Hermanos, acreditam mais na seleção verde-amarela que o povo pentacampeão. O Mundo idolatra nossa seleção, se espremem por autógrafos e vestem a nossa camisa, menos o brasileiro. Temos a maior seleção de todos os tempos, me desculpem às seleções anteriores, mas essa seleção é grande, é gigantesca, é astronômica. Dida, Lúcio, Juan, Cafu, Roberto Carlos, Zé Roberto, Emerson, Kaká, Ronaldinho Gaúcho, Adriano e o Rei, Ronaldo *. Me desculpe o Rei Pelé, mas Majestade, o Brasil tem um novo Rei, é indiscutível. Temos essa seleção, e o povo pentacampeão ainda duvida do Hexa. Ainda nem falamos do banco de reserva. Dava outra seleção. Poderíamos ter entrado com dois times, Seleção A e Seleção B, ou quem sabe com outro nome, “Seleção da Terra de Santa Cruz”. Dominamos o futebol europeu e temos um futebol nacional de primeira, e ainda duvidamos. O mundo parou para ver a estréia da Seleção de Astros, e ainda duvidamos. O pessimismo é total. Emplacamos a nossa primeira apresentação e ainda duvidamos **. Vencemos, uma vitória ainda desconcertada, sem muito arranjo, jogadas deslumbrantes, mas vencemos. Nossa primeira vitória. Vitória sofrida, chorada, mas uma vitória da maior seleção do mundo, 1 x 0, placar único, que ninguém pode fazer igual, vitória da Seleção Pentacampeã. Perdão, Pentacampeã não, Hexacampeã, todos são pessimistas, eu não. E o povo indígena só fala da vitória espanhola e da vitória dos hermanos ***. Deixem eles fazerem placar nas primeiras rodadas, degolaremos-os no mata-mata, quebraremos-lhes as pernas. Levaremos esta copa sim, seremos hexacampeões com a maior seleção do mundo, seremos hegemônicos, inalcançáveis. Os jornais de todo mundo dirão “Vê-se o óbvio, a seleção tupiniquin dá show na Alemanha”. E aí, o povo da colônia dirá e gritará pela rua “Somos Hexa !”. Mas só depois dos 90 minutos da partida final, depois do apito do homem de preto, isso porque somos os mais pessimistas do mundo.

* Titulares no jogo Brasil x Croácia (Cabe ressaltar que nem todos se enquadram no comentário anterior. Dois da lista podem ser banidos da seleção e substituídos por cones)
** Brasil 1 x 0 Croácia
*** Espanha 4 x 0 Ucrânia, Argentina 6 x 0 Sérvia e Montenegro

16 de Junho de 2006