quinta-feira, junho 29, 2006

GURUS EM FESTA

Era tudo o que se queria e se sonhava, o Brasil estréia sem dar “baile”, show de bola, placar elástico. A impressa se preparou toda, todos pararam para ver a estréia da seleção do mundo. E a seleção estreou. Nunca se viu tantos flashes. Ainda no primeiro segundo da partida duas coisas já eram fato, a vitória brasileira e o espaço reservado nas primeiras páginas dos jornais do mundo, de um simples folhetim ao Clarim, a primeira página era nossa. Todos queriam uma foto para a página principal, o difícil era escolher qual dos astros e qual das jogadas seria o grande destaque. Difícil escolha, o Brasil tinha 11 e a partida 90 minutos. Apenas uma foto, era isso, apenas uma. A partida começa. O time brasileiro não consegue fazer fluir o futebol arte, joga com dificuldade, falta de entrosamento puro, porque futebol, isso nós temos pra dar e vender. Dar não, vendermos sim, e como vendemos bem, o mercado do futebol nunca esteve tão em alta. Onde se viu, saíram comprando os “tupiniquins donos da bola” antes da Copa, porque após o dia 09 de Julho, os valores seriam astronômicos. O Hexa sairá caro, preparem-se. Foda-se, eu sou brasileiro, sou alviverde, sou da terra do futebol arte, nasci na terra da bola. O Brasil demora a entrar no jogo, mas aos 39 minutos rouba-se uma bola, atravessa-se a intermediária, avança-se pelos homens com camisa de toalha de mesa, por sinal horrível, e entregam a bola a um dos donos da bola, Kaká. Ele não perdoa, chuta da ainda antes da meia lua. De pé esquerdo. Perfeito, a bola foi colocada. Gol. O primeiro gol do Brasil, a agonia brasileira explode, vira felicidade. O Brasil se atrapalha mais um pouco. Acaba o primeiro tempo. Me desloco para assistir o espetáculo em outro lugar. Ruas eternamente vazias, nem os semáforos estavam funcionando, as luzes estavam sobre a seleção hexacampeã. Ando por meia cidade, três carros, foi isso o que vi. Três carros com cidadãos da terceira idade. Como podia ?, na estréia da seleção ?. Só podia ser uma coisa, eles eram comunistas, só assim. Começa o segundo tempo e termina o segundo tempo. Os noventa primeiros minutos brasileiros na copa acabaram. E o que se viu ?. Se viu a imprensa em festa. Eles tinham assunto o suficiente para as primeiras páginas. E claro, era fácil escolher uma imagem. Todos estavam felizes. Nada de dar a manchete: “Confirmado a hegemonia brasileira, seleção bate a fraca seleção de camisas de toalha de mesa”, ia-se fazer o que se mais sabe, ou não se sabe, escrachar o escrete campeão *. E assim foi feito, em todo mundo, sem exceção. Por sinal, na casa do escrete foi o que mais se viu. Onde se viu, aqui é o único lugar do mundo onde não se acredita e apóia a seleção da terra. E mais, a seleção não era o suficiente, tinha-se que pegar o Judas. E claro, foi ele, o Fenômeno. O obeso mais habilidoso do mundo, um dos donos da bola. E não parou por aí, o blá-blá-blá se prolonga por todos os dias e dias. Porra, como demora a segunda partida. E para a tristeza geral do povo tupiniquim, os espânicos enfiam 4 e, o pior dos pesadelos, os hermanos ganham mais uma, de 6. Imprensa em êxtase, a festa é total. Mas a festa dos gurus durarás pouco. A segunda partida está próxima **, Austrália coitada, serás atropelada. Se não for na segunda, paciência teremos ainda mais 5 outras. E no final, seremos os donos da festa, da grande festa.

* O termo escrete foi utilizado por Nelson Rodrigues em suas crônicas futebolísticas em “A pátria em chuteiras” e “As sombras da chuteiras imortais”
** Brasil x Austrália, segunda partida da seleção a ser realizada em 18/06/06

16 de Junho de 2006