UM POUCO DE FIÓDOR
“... Em resumo, se a memória não me falta, o senhor dava a entender que existem na terra homens que podem, ou melhor que tem o direito absoluto de cometer toda a casta de ações criminosas, homens para quem, de certo modo, não existe a lei.
...
- Não, não é isso, ... . No artigo de que se trata, os homens são divididos em ordinários e extraordinários. Os primeiros devem viver na obediência e não tem o direito de desrespeitar a lei, porque são ordinários; os segundos em o direito de praticar todos os crimes e de violar as leis, pela razão simplíssima de que são criaturas extraordinárias. Foi isto que o senhor disse, se não me engano.
... Eis o que disse: o homem extraordinário tem o direito não oficialmente, mas por seu próprio alvedrio, de autorizar a sua consciência a saltar sobre certos obstáculos, no caso especial que assim exija a realização de sua idéia, a qual pode ser por vezes útil ao ser humano. ...
... Na minha opinião, se os inventos de Kepler e Newton, em virtude de circunstâncias especiais, não tivessem podido fazer-se conhecer senão com o sacrifício de uma, de dez, de cem ou maior número de vidas, que fossem obstáculos a essas descobertas, Newton teria tido o direito, ainda mais, teria sido obrigado a suprimir esses dez ou cem homens, a fim de que essas descobertas aproveitassem ao mundo inteiro. ...
... Quero estabelecer o princípio de que a natureza divide os homens em duas classes: uma inferior, a dos ordinários, espécie de matéria, tendo como única missão reproduzir-se; a outra, compreendendo os homens que tem o dever de lançar no seu meio uma palavra nova. ...
... A primeira pertence, em geral, os conservadores, os homens de ordem, que vivem na obediência e tem por ela um culto. Na minha opinião, são até obrigados a obedecer, porque essa é a missão que o destino lhes impõe, e isso nada tem de humilhante para eles.
O segundo grupo compõem-se apenas de homens que transgridem a lei, ou tentam transgredi-la, segundo os casos. Naturalmente os seus crimes são relativos e de uma gravidade variável.
A maioria deles reclama a destruição do presente por causa do melhor.
Mas, se em defesa da sua idéia, forem forçados a derramar sangue, a passar sobre cadáveres, eles podem em consciência fazer uma coisa e outra – no interesse dessa idéia, é claro. ... O primeiro grupo é sempre senhor do presente, e o segundo é o senhor do futuro. Um conserva o mundo, multiplica-lhes os habitantes; o outro move o mundo e o dirige. ...
- Muito obrigado. Mas diga-me: como é que s podem distinguir esses homens extraordinários dos ordinários ?. Trazem sinais quando nascem ?. ...
... lembre-se de que o erro é só possível na primeira categoria, isto é, naqueles que eu chamei, talvez despropositadamente, homens ordinários. Apesar de sua tendência inata para a obediência, muitos deles por um capricho da natureza, querem passar por homens da vanguarda, por destruidores, crêem-se chamados a fazer ouvir uma palavra nova, e essa ilusão, é sincera, neles. ...
... há muitos desses indivíduos extraordinários que tem o direito de matar os outros? ...
... Em geral nasce um número singularmente restrito de homens com uma idéia nova, ou mesmo capazes de dizerem o que quer que seja de novo. ... Uma grande massa de pessoas não existe sobe a terra senão para, depois de demorados e misteriosos cruzamentos de raças, dar enfim nascimentos a um homem que, entre mil, terá certa independência. ... Conta-se um gênio em muitos milhões de indivíduos e milhares de milhões de homens passam talvez na terra antes que surja uma dessas altas inteligências que renovam a face do mundo.”
Partes extraídas, na íntegra, do livro “Crime e Castigo” de Fiodór Mikhailovitch Dostoiévski.
18 de Julho de 2006
...
- Não, não é isso, ... . No artigo de que se trata, os homens são divididos em ordinários e extraordinários. Os primeiros devem viver na obediência e não tem o direito de desrespeitar a lei, porque são ordinários; os segundos em o direito de praticar todos os crimes e de violar as leis, pela razão simplíssima de que são criaturas extraordinárias. Foi isto que o senhor disse, se não me engano.
... Eis o que disse: o homem extraordinário tem o direito não oficialmente, mas por seu próprio alvedrio, de autorizar a sua consciência a saltar sobre certos obstáculos, no caso especial que assim exija a realização de sua idéia, a qual pode ser por vezes útil ao ser humano. ...
... Na minha opinião, se os inventos de Kepler e Newton, em virtude de circunstâncias especiais, não tivessem podido fazer-se conhecer senão com o sacrifício de uma, de dez, de cem ou maior número de vidas, que fossem obstáculos a essas descobertas, Newton teria tido o direito, ainda mais, teria sido obrigado a suprimir esses dez ou cem homens, a fim de que essas descobertas aproveitassem ao mundo inteiro. ...
... Quero estabelecer o princípio de que a natureza divide os homens em duas classes: uma inferior, a dos ordinários, espécie de matéria, tendo como única missão reproduzir-se; a outra, compreendendo os homens que tem o dever de lançar no seu meio uma palavra nova. ...
... A primeira pertence, em geral, os conservadores, os homens de ordem, que vivem na obediência e tem por ela um culto. Na minha opinião, são até obrigados a obedecer, porque essa é a missão que o destino lhes impõe, e isso nada tem de humilhante para eles.
O segundo grupo compõem-se apenas de homens que transgridem a lei, ou tentam transgredi-la, segundo os casos. Naturalmente os seus crimes são relativos e de uma gravidade variável.
A maioria deles reclama a destruição do presente por causa do melhor.
Mas, se em defesa da sua idéia, forem forçados a derramar sangue, a passar sobre cadáveres, eles podem em consciência fazer uma coisa e outra – no interesse dessa idéia, é claro. ... O primeiro grupo é sempre senhor do presente, e o segundo é o senhor do futuro. Um conserva o mundo, multiplica-lhes os habitantes; o outro move o mundo e o dirige. ...
- Muito obrigado. Mas diga-me: como é que s podem distinguir esses homens extraordinários dos ordinários ?. Trazem sinais quando nascem ?. ...
... lembre-se de que o erro é só possível na primeira categoria, isto é, naqueles que eu chamei, talvez despropositadamente, homens ordinários. Apesar de sua tendência inata para a obediência, muitos deles por um capricho da natureza, querem passar por homens da vanguarda, por destruidores, crêem-se chamados a fazer ouvir uma palavra nova, e essa ilusão, é sincera, neles. ...
... há muitos desses indivíduos extraordinários que tem o direito de matar os outros? ...
... Em geral nasce um número singularmente restrito de homens com uma idéia nova, ou mesmo capazes de dizerem o que quer que seja de novo. ... Uma grande massa de pessoas não existe sobe a terra senão para, depois de demorados e misteriosos cruzamentos de raças, dar enfim nascimentos a um homem que, entre mil, terá certa independência. ... Conta-se um gênio em muitos milhões de indivíduos e milhares de milhões de homens passam talvez na terra antes que surja uma dessas altas inteligências que renovam a face do mundo.”
Partes extraídas, na íntegra, do livro “Crime e Castigo” de Fiodór Mikhailovitch Dostoiévski.
18 de Julho de 2006
1 Comments:
Um pouco que não tem nada de pouco.
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